Hoje iremos iniciar uma série na nossa coluna de ciência e medicina em que iremos falar sobre a interpretação e avaliação de estudos científicos, além de sanar algumas dúvidas comuns no meio acadêmico sobre o processo de produção científica.
Ao longo desta série eu terei o prazer de contar com a participação da Doutora Ana Cristina Simões e Silva. A Doutora Ana é nefrologista pediátrica e uma grande pesquisadora e professora da UFMG, é coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Investigação Médica e orientadora no programa de pós-graduação em medicina molecular e em saúde da criança e do adolescente da FM-UFMG.

- Olá professora! Tudo bem com a senhora?
- “Tudo bem”
Iremos abordar nesse início sobre nível de evidência. Este é um assunto que frequentemente gera muitas dúvidas no meio acadêmico e hoje eu trouxe algumas perguntas para ajudar a esclarecer um pouco mais sobre o que é nível de evidência.
- Professora, o que é nível de evidência e qual a importância disso para a interpretação de um artigo científico?
- “Bem. O conceito de nível de evidência diz respeito à credibilidade e à consistência dos dados de um estudo. Não só a credibilidade e a consistência, mas também o desenho desse estudo, ou seja quando temos um estudo de caráter mais experimental, com um desenho mais controlado certamente a gente deve ter um trabalho com o nível de evidência um pouco mais alto do que por exemplo trabalho unicamente observacional que coleta dados de uma comunidade sem nenhum tipo de intervenção. Mas, se a gente quiser escalonar o nível de evidência, existe uma escala de validade pra isso, cujo objetivo é dizer o quanto que um determinado achado de um trabalho pode impactar ou influenciar na mudança de uma pratica média. Então, nós temos, por exemplo, que o trabalho de menor nível de evidência é um relato de caso, no entanto ele tem a sua importância, porque pode ser a primeira vez que é falado de uma nova doença. Depois subindo em degrau acima, a gente teria a série de casos, onde reúne uma série de casos de uma mesma doença ou manifestações diferentes de uma mesma doença pra a melhor compreensão dessa doença. Em um patamar superior, nós teríamos os chamados estudos observacionais, onde a gente teria o estudo de Caso controle que seria um estudo retrospectivo onde eu vou elencar fatores de risco para determinadas enfermidades, e os estudos de coorte que estariam em um patamar superior que são estudos em geral prospectivos que vão acompanhar indivíduos ao longo do tempo para definir quais seriam fatores associados à enfermidade. E, acima disso, nós teremos os estudos chamados de experimentais ou de intervenção, onde eu vou testar algo novo, um novo tratamento, um novo medicamento nas pessoas. Se esse teste for feito de uma forma com um mascaramento onde nem o paciente sabe o que recebe, nem o médico sabe o que ministra, e também os indivíduos forem, por sorteio, alocados nos diferentes grupos de pesquisa, a gente denomina como ensaio clínico randomizado do tipo duplo cego e esse seria um estudo que tem um nível de evidência elevado. Acima disso, a gente teria apenas o que a gente chama de revisão sistemática com meta-análise, que seria um estudo que reúne estudos clínicos randomizados de determinado tema e analisa os dados em conjunto pra tirar uma conclusão mais robusta, ou seja, se eu tiver cinco ensaios clínicos com um determinado fármaco, eu vou reunir os resultados desses cinco ensaios clínicos e reanalisá-los do ponto de vista estatístico pra ter um grau de evidência que a gente chama de 1A, que seria a vidência mais robusta do do estudo médico, que é por meio de uma meta análise.”
- Excelente, professora! Na sua opinião, qual a importância do conceito do nível de evidência para a formação do médico?
- “Eu acho que é muito importante porque as pessoas te de saber o quão relevante é aquilo que elas leem e o quanto que aquilo deve impactar na prática clínica, porque, um indivíduo que, digamos assim, muda o tratamento com base em um relato de caso está fazendo uma coisa que não é muito recomendável. Isso porque o grau de evidência de um relato de caso é pequeno. Claro que é um indício, muitas vezes o primeiro indício de uma coisa, mas que não deve respaldar uma mudança em prática clínica. É diferente daquela pessoa que se baseia em grandes meta-análises para tomar uma conduta diferente, para modificar alguma prática. Assim, ela estará se baseando em uma conduta muito mais consistente e em dados muito mais robustos da literatura. Então, é importante que o médico tenha esse senso crítico. É claro que ele terá que ver o assunto no qual está tratando, o que existe a respeito desse assunto; não é para tudo que existe meta- análise, nem ensaio clínico randomizado, mas ele tem que estar ciente do quão consistente e importante é o dado que ele está obtendo.”
- Muito bom! Muito obrigado pelas respostas, professora. É um prazer tê-la conosco.