A Construção de um Currículo Paralelo na Medicina
Todo acadêmico de medicina que se preze, pode até não conhecer o conceito de currículo paralelo, mas certamente o faz – e muito – na prática. Isso porque, o chamado currículo paralelo pode ser conceituado “conjunto de atividades extracurriculares que os alunos desenvolvem, subvertendo, na maioria das vezes, a estrutura curricular formal estabelecida pela Faculdade”, como bem descreve Rego¹. Este conceito está incluso num termo mais amplo denominado por Currículo Oculto, o qual inclui não apenas a busca por conhecimento paralelo, mas também inclui todo conhecimento passivo e ativo que é adquirido dentro e fora das salas de aula, bem como foi falado em nosso último post.
O currículo paralelo é então uma expressão pouco abordada em meio acadêmico, mas que faz parte da vida e da formação de futuros doutores, os quais precisam receber mais do que apenas conhecimentos técnicos, experiências, hábitos e valores que assim, elevarão seu nível profissional futuramente. E isto já é tão claro e essencial, que as universidades não apenas aceitam como estimulam a adesão de acadêmicos à atividades extracurriculares que possam sanar o vão que ainda existe na grade curricular padrão das universidades brasileiras. Isso porque, perante a responsabilidade que existe sobre a profissão médica, o que o acadêmico busca com um currículo paralelo no fim das contas, como evidenciam pesquisas², é experiência clínica e aperfeiçoamento curricular. E quando se busca experiência clínica, o primeiro aspecto a se pensar é: que tipo de experiência você está buscando adquirir?
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Atividades extracurriculares dentro da universidade
A prática clínica no curso médico é evidente em maior montante apenas nos dois últimos anos do curso, sendo os primeiros anos acadêmicos majoritariamente teóricos. Pelo fato então do acadêmico estar desde o início em busca da prática clínica para adquirir um currículo paralelo mais profuso possível, busca-se atividades extracurriculares desde o primeiro período do curso. Mas, antes mesmo de sair buscando adentrar-se em todas atividades complementares, é preciso algum nível de planejamento e metas sobre tipo de conhecimento que se busca. Isso porque o currículo paralelo é um mundo à parte dentro do curso médico com diversas possibilidades, as quais as principais incluem:
Monitorias
É um espaço de aprendizado a partir da prática do conteúdo teórico ensinado por alunos avançados e supervisionada por professores e/ou médicos. Em muitas universidades as monitorias se incluem como carga horária obrigatória dentro da grade curricular formal, mas pode ser uma alternativa como atividade extracurricular, principalmente dentro de ligas acadêmicas e projetos de extensão. É a forma mais eficaz para o desenvolvimento de habilidades técnicas e vivência da prática médica em sua essência.
Ligas acadêmicas
São organizações desenvolvidas pelos próprios alunos, com coordenação de algum médico ou professor da área de enfoque da própria liga acadêmica. Têm como objetivo principal aprofundamento teórico e prático em alguma determinada área médica específica. Podem ser criadas ligas de qualquer tema, seja ele amplo – como cardiologia, gastroenterologia, pneumologia, emergência – como específico – feridas, transplante de fígado, etc. De forma geral, exige-se algum tipo de avaliação, seja prova teórica ou entrevista para a participação de ligas acadêmicas, e ao adentrar, o aluno participa de aulas teóricas, apresentação de seminários, simpósio, além do desenvolvimento de projetos de extensão e pesquisa, além da prática com plantões, ambulatórios ou enfermarias. É uma via adequada para aquele que deseja se aprofundar em algum tema específico, porém, de forma geral pode exigir bastante tempo e dedicação do aluno, pelo fato de incluir diversas atividades exigidas para completar o tempo e receber o certificado.
Projetos de Extensão
A extensão dentro da universidade trata-se de um processo educativo, cultural e científico no qual estabelece relação entre o acadêmico e outros grupos sociais dentro ou fora da própria universidade. Envolve o desenvolvimento de atividades teórico-práticas que integrem o estudante à realidade social do país, com atuação em espaços diferenciados para exercer a prática médica de diferentes formas. Compreende uma atividade extracurricular com atuação com pacientes dentro de hospitais, ou fora deles, onde a saúde se mostra deficiente em aspectos sociais, como em grupos de risco – comunidades carentes, moradores de rua. Projetos de extensão podem desencadear inúmeros focos, mas no fim sempre agregando valor ao currículo médico.
Pesquisas
Iniciação científica com projetos de pesquisa clínica ou laboratorial é a via de saída que pode ser talvez, uma das atividades extracurriculares mais trabalhosas, mas também mais recompensadora ao currículo paralelo. Isso porque, é a partir da pesquisa que se é capaz de conquistar a área científica com o desenvolvimento de artigos científicos, além do alcance de conhecimento da medicina baseada em evidência, tão essencial para a medicina contemporânea. Esta área de atuação não soma apenas em horas complementares abundantes, como também agrega muito valor ao currículo lattes, podendo somar pontuação que diferencie nota em provas de residência. Não obstante a isto, é cada vez mais evidente a necessidade do embasamento científico ao acadêmico de medicina, quando nos deparamos com uma pandemia mundial gerada por um vírus conhecido que tem gerado tanta especulação sobre a importância e predominância do cientificismo perante a saúde pública.
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O currículo paralelo também está fora da universidade
Há de se lembrar que existem atividades que incluem um currículo paralelo mas nem sempre é lembrado ou valorizado pelo próprio acadêmico. Exemplo disso são as disciplinas optativas das próprias instituições de ensino, as quais nem sempre são cogitadas pelo aluno, mas podem elevar seu nível intelectual em aspectos que o destaquem no futuro. Isso porque, de forma geral, as grades curriculares tradicionais infelizmente não incluem disciplinas sobre manejo de medicina preventiva e/ou paliativa, áreas essenciais para a formação médica adequada. E com isso, o foco estabelecido pela medicina curativa impede que conhecimentos como psicologia, nutrição, atividades físicas, cuidados paliativos tenham valor na formação. Assim, pesquisar as disciplinas optativas que a universidade oferece e valorizar áreas que tendem a crescer na saúde brasileira devem ser consideradas no currículo paralelo.
O que não tem como ser deixado de lado é também o aperfeiçoamento de línguas estrangeiras – essencialmente o inglês – para a carreira médica. É inegável que este conhecimento atualmente é não apenas complementar como necessário para qualquer futuro médico, seja para sua atuação clínica como para atualização de conhecimento através de leitura de artigos, ou mesmo desenvolvimento de artigos e participação em congressos. Somado a isso, o aprendizado de uma língua além da nativa faz parte do currículo paralelo agregando muito valor à um currículo lattes, aspecto sempre valorizado quando o currículo é determinante para algum objetivo, seja ele a residência médica ou conquista de vaga de emprego em determinado serviço de saúde.
Também é válido lembrar que a realização de cursos online são uma cereja no bolo para o aperfeiçoamento tanto do currículo como do próprio conhecimento técnico. Neste cenário se inclui a própria MedBeta, que tem por objetivo oferecer ao acadêmico de medicina aquele conhecimento essencial que pouco, ou nada, é dado na universidade através da grade curricular. Incluem cursos como Medicina Baseada em Evidências, Sinapse, Spotlight e Por Baixo do Jaleco, dos quais abordam assuntos desde estudo científico até como melhorar a forma de aprender, desenvolver um bom currículo e melhoria do próprio comportamento visual dentro do curso médico. É possível ainda a realização de cursos de atualização em determinados temas que de anos em anos alteram seus protocolos médicos, como ATLS ou ACLS, por exemplo.
Mesmo que estudos²,³ destaquem como critérios de acadêmicos de medicina na busca do currículo paralelo o aprimoramento curricular, busca de prática médica ou até mesmo remuneração, é fato que na medicina apenas o conhecimento teórico pode ser estático, sendo o manejo clínico dinâmico conforte o contexto que estamos inseridos, e a responsabilidade médica sobre seus pacientes deve ser o principal objetivo na construção curricular. E atualmente, com novas doenças surgindo, colocando em xeque atitudes médicas perante cenários incertos, que o currículo paralelo se faz ainda mais presente. Isso porque, a busca por conhecimento, seja para currículo, seja para prática clínica transcende as paredes da universidade e os 6 anos de curso médico, sendo algo permanente na vida de qualquer médico que anseia destaque e sucesso em sua carreira como profissional que busca ser honesto e responsável não só com a ciência, como com a vida dos pacientes que estará em suas mãos.
Referências
- Rego, S. Parallel curriculum in Medicine, clinical practice, and Problem Based Learning: is there a way out? Interface Comunicação, Saúde, Educação, v.2, n. 3, 1998.
- Neto JAC, Sirimarco MT, Cândido TC, Ferreira IA, Campos RCF, Martins SC. Students’ perspectives on the parallel curriculum in medical schools. Rev. Med Minas Gerais 2013; 23(4): 467-478.
- Tavares CHF, Maia JA, Muniz MCH, Malta MV, Magalhães BRC, Thomaz ACP. The “Parallel Curriculum” of Third-year Medical Students of the Federal University of Alagoas. Revista Brasileira de Educação Médica 31 (3): 245 – 253; 2007.